sexta-feira, 23 de abril de 2010

HISTÓRIAS DAS COPAS: MANÉ GARRINCHA, O DEUS DO DRIBLE.

23-04-2010

Para os poetas e cronistas esportivos, ele foi o Anjo das Pernas Tortas; para os adversários, o Demônio; para as multidões, o Craque.

Por Rogério Torquato


Fotos: Reprodução, CBF, Wikipedia e Rogério Torquato
Na identidade, constava Manoel Francisco dos Santos. Tinha uma perna maior que a outra cerca de 6 centímetros, pelas contas. O andar era meio estranho, mas com a bola aos pés a história era completamente diferente. O homem aprontava desde a Copa de 1958; os ingleses se renderam diante dele na Copa de 1962, afirmando que ele não era deste mundo. E não era mesmo. Tido por anjo, demônio e craque, de acordo com o ponto de vista, os súditos de Sua Majestade apenas ratificaram que Mané Garrincha estava acima de qualquer um. Então, deveria ser um deus. O deus do drible.


Para os poetas e cronistas esportivos, era o "Anjo"; para os adversários, o "Demônio"; para as multidões, o "Craque". Em todos os casos, sempre "Das pernas tortas". Sim, e daí? Quem não o conhecesse com a bola no pé não dava um passe estudantil por ele... e seria inapelavelmente vitimado pela finta de corpo sem bola, pela ginga, pelo drible sem dó nem piedade daquele homem nascido em Pau Grande (RJ) em 1933.

Durante alguns anos, Garrincha jogou pelo time de sua cidade natal, o EC Pau Grande, até que - segundo algumas fontes - o ex-jogador Arati, que havia atuado no Madureira e no Botafogo, se encantou com sua finta e decidiu levá-lo ao Botafogo. Era o ano de 1953, e Garrincha já havia levado um rotundo "NÃO!" do Vasco e do São Cristóvão, que não viam craque de espécie alguma naquele cidadão de pernas tortas (sequelas de uma poliomielite, ao que consta).

Nilton Santos, então jogador do Botafogo, conheceu e sentiu na pele - a "Enciclopédia do Futebol" teve a missão de marcá-lo duramente no teste para saber se Garrincha deveria ser contratado ou não; depois de levar uns dribles no mínimo desmoralizantes daquele rapazinho de 20 anos, não teve dúvidas e implorou aos dirigentes "Contratem o homem, pelo amor de Deus!!!" A ideia era simples: melhor ter Garrincha como aliado que como inimigo. Os dirigentes acataram, e contrataram "Mané". A "Enciclopédia do Futebol" - que se tornaria a seguir "compadre" e, de certa forma, um protetor do jogador - estava certa.

Marcadores, tremei!


Garrincha permaneceu no Botafogo de 1953 até 1966. Nesse meio tempo, sagrou-se campeão carioca em 1957, 1961 e 1962; e atuou em três Copas do Mundo - foi campeão na Suécia em 1958 e bicampeão no Chile em 1962, além de ter defendido o Brasil na Inglaterra em 1966. Foram seus pincipais títulos. Falando em Copas, ele foi escolhido o melhor em sua posição em 1958, mas o grande nome da Copa na Suécia foi Pelé; em 1962, com Pelé "de molho", não houve outro nome senão Garrincha. Juntando todas as participações pela Seleção Brasileira, paricipou ao todo de 61 partidas, e só conheceu derrota uma única vez.

Atuava pela ponta direita - por isso, por muito tempo envergou a camisa 7 nos clubes onde passou - e tinha como características uma certa ingenuidade (que, infelizmente, o fez vítima de alguns "cartolas" no decorrer da carreira) e uma habilidade ímpar, jamais igualada, de controlar a bola. Só de ver o nome de Garrincha na escalação, o marcador (se o conhecesse) começava a suar frio e se peguntar "Pronto, tô lascado... e agora?"

O jornalista Nelson Rodrigues deu uma das melhores descrições parciais de um lance característico do atleta: "(...) primeiro, pulou por cima da bola. Fez que ia mas não foi. Pula para lá e para lá (...) lá estava a bola imóvel, impassível, submissa ao gênio" - e a esta altura olance apresentava quatro possíveis finais: ou o marcador já estava com dois palmos de língua para fora, cansado de perseguir o Mané, ou havia desistido do lance, ou estava zonzo de tanto girar ou já estava sentado no chão depois de levar um "nó" nas pernas... isto, se fosse apenas um marcador, pois às vezes se juntavam dois ou três e ninguém conseguia marcá-lo! E a multidão, nas arquibancadas, quase tendo um troço!


De driblador a driblado


A partir de 1963, começou a fase de decadência, a vida foi-lhe dando um drible. Os joelhos, exigidos por tantos jogos - e massacrados pelos marcadores adversários - eram tratados à base de infiltrações, e iam perdendo força. Mais alguns problemas extracampo e o próprio atleta foi perdendo as forças. Em 1966 foi negociado para o Corinthians e daí passou por vários clubes - esteve no Barranquilla (Colômbia), no Flamengo e até no futebol italiano; tentou voltar ao Botafogo, sem sucesso.

Fato curioso: no ano de 1968 Garrincha esteve no Rio Grande do Norte participando de um jogo onde defendeu o Alecrim. É o quê? A história se passou mais precisamente no dia 4 de fevereiro de 1968, no estádio Juvenal Lamartine, em Natal; o craque usou a camisa 7 do Verdão em um amistoso contra o Sport-PE. O visitante pernambucano venceu pela contagem mínima, 1 a zero, gol de Dida, diante de mais de 6 mil pessoas; a partida rendeu Cr$ 21.980,00 (cruzeiros, moeda vigente a época). A formação do alviverde? Augusto, Pirangi, Gaspar, Cândido, Luizinho; Estorlando, João Paulo; Garrincha (Zezé), Icário, Capiba (Elson) e Burunga.

Uma balada para o camisa 7


Garrincha foi tão marcante que virou assunto para música. Hora do repórter caçar o vinil... corria o ano da graça de ano de 1970, quando foi feita uma música em sua homenagem, assinada pelo compositor Alberto Luís e interpretada por nada menos que Moacyr Franco. Como nas equipes nacionais, particularmente o Botafogo, Garrincha atuou principalmente com a camisa 7, o título não poderia ser outro senão "Balada Número 7 (A Mané Garrincha)".

No ano seguinte, a música foi regravada por Noite Ilustrada. Entretanto, a versão de Moacyr Franco segue insuperável - tanto, que foi usada até como trilha sonora de programas de rádio dedicados à memória esportiva (que o diga o desportista Ribamar Cavalcante, que foi produtor de m programa desta categoria). Falando em Moacyr Franco, mais um dado curioso: Currais Novos teve uma chance rara há cerca de um ano, quando o artista - em um programa de uma TV a cabo local - não se segurou e cantou a dita balada ao vivo, acompanhado dos músicos Paulo Lúcio, Sandrinho e Carlos Dantas, trio de São José do Seridó (torçamos para que a emissora tenha gravado a performance e guardado em arquivo... mas esta é uma oura história!)

Vinil na vitrola, lá vai...



Balada número 7 (a Mané Garrincha)

(Alberto Luís)

Sua ilusão entra em campo no estádio vazio
uma torcida de sonhos aplaude talvez
o velho atleta recorda as jogadas felizes
mata a saudade no peito driblando a emoção

Hoje outros craques repetem as suas jogadas
ainda na rede balança seu último gol
mas pela vida impedido parou
e para sempre o jogo acabou
suas pernas cansadas correram pro nada
e o time do tempo ganhou

Cadê você, cadê você, você passou
o que era doce, o que não era se acabou
cadê você, cadê você, você passou
no videotape do sonho a história gravou


Ergue os seus braços e corre outra vez no gramado
vai tabelando o seu sonho e lembrando o passado
no Campeonato da Recordação faz distintivo do seu coração
que as jornadas da vida são bolas de sonho
que o craque do tempo chutou


Em 1973 teve sua despedida oficial dos gramados, em um jogo entre a Seleção Brasileira e um combinado de estrangeiros; mas Garrincha ainda atuou esporadicamente por outros clubes, da década de 1970 até fins de 1982; e morreu no início de 1983, vítima de cirrose hepática.
Fonte: Matéria copiada do Blog do amigo Édmo Sinedino - Link ao lado.

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