Segunda feira, 29 de maio de 2017.
Passando fome na cidade grande!
Até realizar o sonho
de jogar no time do coração, Pará passou por muitas dificuldades. Antes de ser um
"operário da bola", foi operário de verdade na construção.
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Pará comemora gol com Felipão no
Grêmio
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"Eu trabalhava
como servente de pedreiro do meu pai lá no Pará. Batia laje, subia telha pra
lá, telha pra cá... Era pesado o serviço, foi sofrido (risos)", recorda.
"Nessa época, eu
treinava numa escolinha, mas não levava o futebol a sério, porque na cidade não
tinha opção nenhuma. Eu estudava e trabalhava, mas me destacava quando ia lá
jogar, umas duas vezes por semana, quando dava pra conciliar com o
serviço", lembra.
Tudo começou a mudar
quando olheiros viram talento em Pará e foram pedir a seus pais para levar o
garoto a São Paulo, onde faria testes para tentar virar profissional. E assim o
adolescente embarcou para a terra desconhecida, em busca de uma grande
oportunidade.
"Viajei para
fazer uma avaliação no São Paulo, mas não deu certo. E a partir daí só deu
problema, porque o rapaz que me trouxe me largou em São Paulo sozinho. Eu, com
13 anos, perdido na cidade grande, sem saber o que fazer...", relata.
Pará conheceu a fome,
mas não iria desistir do futebol tão fácil.
"Eu fiquei numa
pensão que custava R$ 56 por semana, mas não tinha nem como pagar isso. Não
tinha nada pra comer, e passei muita necessidade nesses tempos. Passei fome. Ao
mesmo tempo, meus pais me ligavam do Pará e perguntavam como eu estava, e eu
respondia: 'Tá tudo bem, tudo sob controle'. Do outro lado, minha barriga
roncava (risos). Eu não queria assustá-los, então ficava só enrolando",
conta.
Depois de ficar abandonado
na capital paulista, sem ter nem ideia do que fazer, o garoto faminto foi
socorrido por um amigo, que o levou para o pequeno Barcelona Esportivo Capela,
time da zona sul de São Paulo onde Diego Costa, hoje no Chelsea e na seleção
espanhola, começou a carreira.
Foi lá que as coisas
começaram a dar certo, mas não antes sem mais apertos.
Morando na guarita (e dormindo sentado)
"Chegamos no Barcelona e esse amigo
explicou minha situação. Falou que eu não conhecia nada em São Paulo, que
sonhava em jogar bola e não podia ficar parado na pensão, ainda mais sem
dinheiro. Pediu pra eu ficar treinando por lá, e o presidente deixou, pedindo
pra eu voltar no dia seguinte pra fazer um teste. Fui treinar e ele ainda me
deu o dinheiro pra eu quitar o que estava devendo na pensão", rememora.
A estrutura era fraca, e o garoto se virou como pôde.
"Eles me
colocaram pra jogar, mas não tinha alojamento nem nada. O presidente sugeriu:
'Está vendo aquela guarita ali? É onde o guarda fica. De noite, ele vai fazer a
ronda e você dorme na guarita, pode ser. Aí durante o dia vocês invertem'. Eu
topei e assim a gente ficou (risos)", relata.
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Cena rara: Pará abre o sorriso |
"Fiquei um mês e
meio, quase dois meses, desse jeito. Era ruim, viu... Eu tinha que dormir
sentado, porque não tinha nem como esticar as pernas se deitasse. Sorte que
depois o presidente comprou um sofá cama e aí melhorou (risos). Pelo menos dava
pra esticar as pernas e descansar melhor", completa.
"Levo isso pro
resto da minha vida, e aprendi muito com esse pessoal. Eu agradeço demais
sempre tudo o que eles fizeram por mim. Sempre que posso, vou lá dar uma
assistência e uma moral, pois foi onde tudo começou", revela.
Um ano se passou com
Pará treinando no Barcelona e nada de uma grande chance aparecer. Descrente,
pensou em voltar à sua terra natal e largar a bola.
"Cheguei para o
presidente e falei: 'Acho que não vou dar em nada, mesmo... Preciso voltar pra
minha casa, estou com saudades dos meus pais. O senhor me dá o dinheiro da
passagem?'. Eu ia desistir mesmo, foi pouco muito pouco. Aí ele me falou:
'Espera mais 10 dias, porque eu vou organizar um quadrangular aqui entre a
gente, o Santo André, o Taboão e a Portuguesa'. Eu topei, e parece que foi coisa
de Deus", recorda.
A partir daí, ele
embalou de vez, e até de maneira cômica.
"O primeiro jogo
foi Barcelona contra Santo André, vencemos por 1 a 0 e eu fui bem jogando de
volante. Nosso treinador chegou pro presidente do Santo André e jogou a ideia:
'E aí, o que achou do Pará?'. Ele respondeu: 'Excelente jogador, mas na função
dele já temos vários, e que estão aqui há mais tempo. O que eu estou precisando
mesmo é de um lateral direito...'. Aí o treinador manda essa, sem nem falar
comigo: 'Então você precisa ver esse rapaz jogando de lateral!' (risos)",
gargalha.
"O presidente do
Santo André não acreditou no começo, perguntou se era sério, e o técnico
continuou: 'É um baita lateral, joga na esquerda e na direita, hoje só estava
quebrando um galho de volante'. E eu nunca tinha jogado de lateral na vida
(risos)", diverte-se.
Com tantas boas
recomendações, Pará foi chamado para disputar um jogo-treino no dia seguinte
pelo Santo André. A pressão era grande, e o frio na barriga também.
"Peguei minha
malinha e fui pro 'Ramalhão', pois tinha amistoso contra o Paulista, lá em
Jundiaí. O técnico do Santo André me colocou de lateral e falou: 'Moleque, se
você for bm, a gente fica contigo. Caso contrário, vai embora e procura outro
time'. Eu só falei: 'Tudo bem...'" , conta.
Mas o destino queria mesmo que ele vingasse.
"Rapaz, eu comi a
bola nesse jogo, corri que nem um louco. Atrás não passou nada, e, quando fui
pro ataque, dei três cruzamentos na cabeça do centroavante, o moleque meteu as
três pra dentro e ganhamos de 3 a 0. Com 15 do segundo tempo, o treinador me
substituiu e falou pra eu ir direto assinar o contrato (risos)", relata.
"Hoje eu dou
risada, mas na hora me emocionei demais. Assim que pude, peguei o telefone e
liguei pra eles pra contar tudo, eles choraram, eu chorei, choramos todos
juntos (risos). Foi o pontapé inicial de tudo pra mim, em 2003",
acrescenta.
O amor por Santo André
Inicialmente colocado
na equipe de juniores do "Ramalhão", ele foi promovido aos
profissionais no ano seguinte, e fez parte do elenco que conquistou a Copa do
Brasil de maneira surpreendente, batendo justamente seu Flamengo na final, no
Maracanã.
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Pará no Santo André, onde tudo começou |
Ele não participou da
decisão, mas foi para as ruas receber seus amigos.
"Quando eles
chegaram no caminhão do Corpo de Bombeiros na cidade, eu pensei: 'Um dia, vou
ser campeão e chegar como esses caras'", salienta.
No ano seguinte, com o
técnico Sérgio Soares, virou titular e estourou durante a boa participação do
Santo André na Série B. Destacou-se principalmente pela polivalência, atuando
em várias posições e já chamando a atenção de diversos clubes grandes.
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Pará com Neymar, nos tempos de Santos |
"No 'Ramalhão',
só não joguei de goleiro! Fui lateral esquerdo, direito, volante e até camisa
10. O Marcelinho Carioca me elogiava bastante, e até fui quem dei o passe pro
gol de número 500 da carreira dele, contra o Avaí, na Ressacada", cita,
com memória afiada.
Em 2008, transferiu-se
para o Santos, time pelo qual seria duas vezes campeão do Paulista, uma da Copa
do Brasil e uma da Libertadores, ao lado de Neymar, Ganso e outros. Jogaria
ainda no Grêmio por dois anos antes de realizar seu sonho e ir para o Flamengo.
Apesar do coração
rubro-negro, contudo, é em Santo André que Pará se sente em casa.
"A torcida do
'Ramalhão' se lembra até hoje de mim. Conquistei muita coisa boa lá, fomos
campeões da Série A2, subimos para Série A do Brasileiro. Meu nome está na
história lá, e sempre recebo muito carinho do pessoal. Falam que eu dava a vida
pelo clube, mas aonde eu vou é assim: não tem bola perdida, e eu dou a vida
dentro de campo. Eu caio, morro de cansaço, mas não tem tempo ruim. Sempre fui
assim", brada.
É no ABC paulista que
o lateral vai morar depois de se aposentar, inclusive.
"A primeira coisa
que faço quando chego em Santo André é ir na barraquinha de cachorro quente na
frente do estádio. Os donos foram como pais pra mim. Eu morava debaixo da
arquibancada do estádio, e todos os garotos iam visitar a família nos finais de
semana, mas eu não podia, porque não tinha condição de ir pro Pará. Eu ficava
quase sempre sozinho, e os donos da barraquinha me levavam na casa deles, na
Vila Luzita, como se fosse da família", emociona-se.
"Eles me davam
almoço e me falavam: 'Fica à vontade, filho'. Se eu estiver em Santo André,
pode me encontrar lá, que eu sempre vou visitar. Não tem como esquecer esse
pessoal, que me abraçou desde o início. Se hoje eu virei alguma coisa na vida,
é por causa dessa turma. E pra você ter noção, sou tão apaixonado por Santo
André que vou morar lá quando me aposentar", decreta.
Enquanto isso não
acontece, o objetivo é conquistar o Brasileirão pelo Flamengo, concretizando
assim o sonho do garoto que saiu de São João do Araguaia para tentar a sorte no
mundo da bola.
"Eu agradeço
muito a Deus, à minha família e a todos esses amigos que eu fui fazendo por
estarem do meu lado nas horas boas e nas ruins. Sou devoto de Nossa Senhora
Aparecida e a única coisa que peço é que nada de ruim aconteça comigo, com meus
colegas e meus adversários. Eu lembro sempre de tudo o que passei, e é por isso
que procuro dar meu máximo em todo treino e todo jogo", ressalta.
"Felizmente,
depois de um começo difícil, agora as coisas estão acontecendo, está todo mundo
me elogiando, o time está crescendo, e isso me deixa muito feliz. Preciso
seguir trabalhando, pois vou fazer de tudo pra entrar pra história do
Flamengo", afirma.
"E espero no fim de ano desfilar também no caminhão dos
Bombeiros", encerra.
Fonte: ESPN - UOL