Quinta feira, 23 de dezembro de 2021.
Da Redação da Agência Futebol Interior.
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Nova lei remove boa
parte dos entraves que impediam clubes de virar empresas no Brasil
Modificação na Lei
Pelé facilita que os clubes viram empresas com aprovação da Assembleia de Sócios.
Lei da SAF está nos
debates que antecederam à entrada em vigor da Lei 14.193/2021 (“Lei da SAF”) e
mesmo após sua edição, discutiu-se a questão da efetiva possibilidade de
constituição de clubes-empresa no Brasil, mesmo com a legislação vigente
anteriormente.
Não é totalmente falso
o argumento de que nossos clubes-associação já poderiam se constituir em
clubes-empresa mesmo antes da Lei da SAF. Porém, tal constatação não observa e
contextualiza a questão como um todo. É, portanto, uma meia verdade.
O ordenamento vigente
antes da entrada em vigor da Lei da SAF trazia amarras e obstáculo de
dificílima superação a constituição do clube-empresa pelos clubes de futebol do
Brasil. Clubes como Botafogo de Ribeirão Preto, Red Bull Bragantino e os
outros, pouquíssimos que fizeram tal movimento, são, na verdade, exceções que
confirmam a regra.
A Lei da SAF, visando
atender a vontade do legislador enquanto representante da sociedade civil,
procurou remover boa parte de tais entraves, como no caso dos aspectos
tributários da transmutação.
Dentre tais
obstáculos, fundamental destacar a disposição vigente do artigo 27, parágrafo
2º da Lei 9.615/98 (“Lei Pelé”) como estava redigido antes da salutar alteração
que lhe foi inserida pelo artigo 34 da Lei da SAF.
EXPLICAÇÃO HISTÓRICA
Para melhor
entendimento da questão, deve-se fazer breve digressão histórica.
O texto original da
Lei Pelé, de março de 1998, “caiu como uma bomba” na forma de organização do
futebol brasileiro de então. A Lei Pelé extinguiu o “passe”, mudando
completamente o parâmetro de relacionamento entre atletas e clubes, entre
tantas outras alterações profundas no modelo vigente àquela época.
Uma das mudanças de
maior relevância, aquela contida no artigo 27 da Lei Pelé original, causou
enorme impacto ao estabelecer a obrigatoriedade de os clubes de futebol
participantes de competições profissionais de adotarem uma das formas
empresariais estabelecidas no Código Civil, abandonando o modelo associativo,
conferindo, para tanto, prazo de dois anos contados da entrada em vigor da
norma.
O status quo do
futebol brasileiro resistiu como pôde diante das mudanças propostas pela Lei
Pelé. No caso da obrigatoriedade de criação do clube-empresa, o enfrentamento à
norma posta se deu sob o razoável argumento da inconstitucionalidade em face da
disposição contida no artigo 217, I, da Constituição Federal, que confere
autonomia de organização e funcionamento às entendidas esportivas.
No ano 2000, pouco
mais de dois anos após a entrada em vigor da Lei Pelé, diversos dos seus
dispositivos originais foram modificados pela Lei 9.981/2000.
NÃO OBRIGATÓRIO
No caso específico do
artigo 27, a Lei 9.981/2000 revogou a obrigatoriedade de constituição do
clube-empresa, mitigando-a em faculdade. Todavia, a mesma norma introduziu o
parágrafo 2º do artigo, que trouxe uma amarra de difícil solução para os clubes
que optassem em se constituir como empresas, ao menos para aqueles mais
tradicionais, que contam com milhares de associados em seus quadros
associativos.
O referido parágrafo 2º ao artigo 27 previa que:
“a entidade a que se
refere este artigo não poderá utilizar seus bens patrimoniais, desportivos ou
sociais para integralizar sua parcela de capital ou oferecê-los como garantia,
salvo com a concordância da maioria absoluta da assembleia geral dos associados
ou sócios e na conformidade do respectivo estatuto ou contrato social.” (n.g.)
A prática mostra que
em alguns dos grandes clubes do futebol brasileiro, a reunião da maioria
absoluta dos associados para a tomada de qualquer deliberação em assembleia
geral é tarefa praticamente impossível.
MISSÃO QUASE IMPOSSÍVEL
Para ilustrar tal
quadro, no recém-lançado livro “Comentários à Lei da Sociedade Anônima do
Futebol – Lei 14.193/2021”, ao discorrer sobre o artigo 34 da Lei da SAF,
trouxemos dados sobre o comparecimento de associados em Assembleias Gerais de
eleição de dois dos clubes de maior torcida do Brasil, o Clube de Regatas do
Flamengo e o Sport Club Corinthians Paulista.
Na última eleição para
presidente do Flamengo, havia mais de 7 mil associados aptos a votar. Porém,
compareceram e votaram, efetivamente, na Assembleia Geral de Eleição do
Presidente, apenas 3048 eleitores: menos da metade, portanto.
Já no Corinthians, em
sua última eleição direta para Presidente, 10.550 associados compunham o
colégio eleitoral, mas apenas 2.873 participaram da eleição. Ou seja, uma
proporção ainda menor.
A par da patente crise
de legitimidade, constatada a partir do fato de que clubes com 30 ou 40 milhões
de torcedores, têm suas deliberações fundamentais, inclusive eleições de
dirigentes, tomada por alguns milhares de associados, o fato objetivo é que
obrigatório constatar que o associado que, mesmo tendo o direito, não tem
interesse em participar da eleição do presidente do clube, dificilmente iria se
mobilizar em número significativamente maior para deliberar em assembleia geral
convocada para o fim de decidir sobre o árido e, muitas vezes complexo, tema
relacionado à eventual destinação de ativos da associação para integralizar
capital de companhia voltada à gestão do futebol profissional.
Eleições e Assembleias
Gerais em outras entidades tradicionais, com milhares de associados, como Clube
de Regatas Vasco da Gama, São Paulo Futebol Clube, entre outros, demonstraram
os mesmos percentuais de comparecimento de associados. Confirmam, pois, tal
constatação.
A exigência do quórum
de maioria absoluta de todo o corpo associativo servia para sujeitar o
interesse daqueles associados favoráveis à constituição da estrutura
empresarial ao desinteresse refletido na ausência daqueles para os quais o
assunto é irrelevante, inclusive daqueles que, como associados do clube, não
são necessariamente torcedores do time de futebol da associação. Além de facilitar
eventuais manobras de obstrução, no interesse daqueles que pretendem – e sempre
haverá – resistir a toda mudança que implique renúncia de algum poder.
LEI DA SAF
Por isso, a mudança no
texto do artigo 27, parágrafo 2º, da Lei Pelé, promovida pela Lei da SAF tem
importância fundamental para possibilitar a efetividade prática da norma. O
dispositivo passou a exigir voto afirmativo “de mais da metade dos associados
presentes à assembleia geral, especialmente convocada para deliberar o tema.”
Sem jamais deixar de
levar em consideração a relevância fundamental da consulta aos associados do
clube acerca de eventual utilização dos bens da associação para integralização
de capital de companhia que venha a gerir o futebol profissional, a correção da
norma anterior, com a adoção de um quórum factível para aprovação acaba por ter
importância fundamental, vai ao encontro da intenção do legislador de, por meio
da Lei da SAF, criar um sistema através do qual o futebol brasileiro possa
efetivamente evoluir em todos os aspectos.
SOBRE O AUTOR
José Francisco Cimino
Manssur é advogado, professor de Direito Desportivo do Departamento de Direito
Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, professor de Direito Desportivo no Curso de Gestão para
Profissionais do Esporte da FGV/SP, Universidade São Marcos e Marketing
Champion da ESPM, sócio do Ambiel, Manssur, Belfiore, Gomes e Hanna Advogados e
coautor dos livros “Futebol, Mercado e Estado” e “Sociedade Anônima do
Futebol”.