TERÇA FEIRA, 29 DE JULHO DE 2014.
A memória do lavrador Virgílio Cachoeira de Oliveira, de 98
anos, guardou por
quase um século uma data que não estava escrita em lugar algum.
Lavrador Virgílio Cachoeira de Oliveira, de 98 anos de idade.
No fundo da cabeça,
dia e ano ficaram intactos. Em outubro de 2013, Virgílio foi à Defensoria
Pública de Aurora do Tocantins, cidade onde mora com a mulher, pedir que esta
data constasse de um documento que ele nunca havia conseguido tirar: o primeiro registro civil de nascimento.
Um pouco antes de
morrer, quando Virgílio 'era bem pequeno', a mãe deixou o bebê no povoado da
Ilha do Bananal, hoje interior do Tocantins.
O pai, Manoel
Cachoeira de Oliveira, já havia partido tempos antes. À população, Maria
Cachoeira de Oliveira contou que o menino havia nascido na cidade de
Taguatinga, em uma segunda-feira, 2 de agosto de 1915.
Quase cem anos se
passaram sem que o lavrador conseguisse tirar o registro, que dá origem à
certidão de nascimento. Sem este papel, ele não pôde fazer nenhum documento de
identidade ou CPF. "Não conheci mãe, não conheci pai. Quem cuidou de mim
foi o povo", lembra o lavrador, que resolveu entrar com o pedido de
registro na Justiça para requerer a aposentadoria. "Fui criado com o mundo,
no Bananal. Ficava com um, com outro, trabalhando na roça. Nunca fui à
escola."
O juiz Jean Fernandes
Barbosa de Castro, que cuidou do caso e confirmou que o lavrador não tinha
nenhum documento, classificou como um 'atentado aos direitos fundamentais' e 'à
dignidade da pessoas humana', Virgílio ter passado 98 anos sem o registro de
nascimento.
Em abril de 2014, o
pedido do lavrador foi aceito e ele foi registrado. A falta do documento,
segundo o Conselho Nacional de Justiça, dificulta o acesso aos sistemas
públicos de saúde, educação, renda mínima e a outros benefícios sociais.
Sem o registro, o
lavrador não pôde se casar com a mulher Maria Pereira da Silva, de 78 anos. O
casal se conheceu trabalhando na roça, na Ilha do Bananal.
Da união, nasceram
três filhos, duas mulheres e um homem, e um menino foi adotado. "A gente
puxava enxada para criar os filhos", conta ela. "Eu sou casada na
fogueira de São João. Foi uma festa linda, tinha gente demais."
Fonte: O Estadão.