Sábado, 05 de setembro de 2020.
Um estudo encomendado
pela Fórmula 1 à Amazon Web Services (AWS) analisou as voltas de classificação
dos pilotos que estiveram na categoria de 1983 para cá para descobrir qual
deles é o mais rápido das últimas quatro décadas. Foi considerada a velocidade
bruta e a comparação entre corredores de uma mesma equipe, usando um algoritmo
chamado Fastest Driver, que permite a comparação entre gerações diferentes. O
topo ficou com o tricampeão mundial Ayrton Senna, com 114 milésimos de vantagem
sobre o alemão Michael Schumacher, e 275 milésimos à frente do inglês Lewis
Hamilton.
Segundo a Fórmula 1, o
algoritmo desenvolvido junto à Amazon levou um ano para ser concluído e foi
protegido de situações consideradas atípicas, como batidas, falhas mecânicas ou
mudanças nas condições de clima em um treino classificatório. “Você dá vários
inputs [entradas] de informação e ele [algoritmo] vai te puxar um histórico de
um banco de dados. Eles colocaram um parâmetro e há como você, na hora de
formular esse algoritmo, colocar inputs ‘para igualar’ as informações. Por
exemplo, ‘igualar’ tempo, potência ou quilometragem de autódromos. É como se
você colocasse uma compensação [entre dados diferentes]”, explica Erika Prado,
engenheira de dados da Fórmula Vee Brasil.
Como toda lista
esportiva, por mais objetiva que tente ser, ela gerou discussão no meio
automobilístico. “Não considero confiável, não por falta de dados ou pela
qualidade do algoritmo. São técnicas diferentes que são utilizadas em
diferentes momentos da Fórmula 1. Nos anos 50 e 60, se você batesse o carro,
morria. Hoje, se você bater o carro, muito provavelmente não vai morrer. É
outro tipo de sentimento, de técnica, de preparo físico. O esporte evoluiu,
então, comparar maçã com laranja, acho que não é tão válido”, analisa Lucas Di
Grassi, piloto da categoria em 2010 e atualmente na Fórmula E.
A análise considerar a
velocidade pura, sem levar em conta as características do veículo, também
incomoda Di Grassi. “No automobilismo, você depende do engenheiro, do carro, do
motor. Tem muito o ‘nós’. Não dá para contar só o piloto, tem de contar a
equipe inteira. É muito difícil tirar o carro da equação, porque mesmo dois
carros iguais podem ter desempenhos diferentes, por causa do setup
[configuração], da decisão do engenheiro, da pressão de pneu, se o cara errou
na pressão em determinada corrida. Isso muda muito”, avalia.
Jornalista
especializado em automobilismo, Castilho de Andrade vê o estudo como confiável,
embora reconheça ser polêmico, e considera natural a presença de Senna no topo
da lista. “Sempre achei que ele, talvez, fosse o único a andar acima do limite.
Era uma característica dele. Qualquer outro piloto não tirava do carro o que
ele conseguia. Eu via isso, conversando com engenheiros e com gente da Fórmula
1”, afirma o profissional, que é diretor de imprensa do Grande Prêmio do
Brasil.
Castilho, porém,
entende que a análise não é definitiva sobre a história da categoria. “Você tem
a Fórmula 1 dos anos 50 até o início dos anos 80. O Jim Clark [escocês, foi
bicampeão mundial na década de 60] era rapidíssimo. Se as marcas dele pudessem
ter sido comparadas, teríamos, talvez, algo surpreendente”, destaca.
Brasileiros na
lista
Entre os 142 pilotos
avaliados no estudo, estão os 15
brasileiros que competiram na Fórmula 1 de 1983 para cá. Além de Senna,
outros dois aparecem no top 20 da lista: Rubens Barrichello (11º) e Felipe
Massa (20º). Apesar de não terem conquistado títulos na categoria, eles ficam à
frente, por exemplo, de Nelson Piquet (40º), três vezes campeão, com duas
conquistas (1983 e 1987) durante o período analisado.
“Ele [Piquet] sempre
foi um piloto muito focado no resultado, na vitória, mais do que estabelecer
marcas seguidas de velocidade. Claro que soa estranho alguém que foi
tricampeão, que somou um número respeitável de vitórias, ficar atrás, mas tenho
alguns depoimentos, que ouvi ao longo da cobertura na Fórmula 1, do Schumacher
falar da velocidade do Rubinho. Ele se impressionava muito com a facilidade que
ele tinha para acertar o carro e imprimir uma velocidade muito grande”, diz
Castilho.
O jornalista lembra
que Schumacher ficou em segundo no estudo sobre velocidade e que o algoritmo da
análise leva em conta a comparação entre pilotos de mesma equipe. Barrichello
correu seis anos ao lado do alemão na Ferrari, entre 2000 e 2005, sendo
substituído justamente por Massa, que foi parceiro de Schumi em sua primeira
temporada na escuderia italiana, em 2006. “Tenho a impressão que isso fez as
marcas dos brasileiros subirem [na lista], pelo grau de comparação”, analisa.
Geração mais
rápida?
Fora Senna, os outros
pilotos do top 10 correram, ao menos, em uma temporada desta década. Quatro
deles seguem em atividade. Além de Hamilton, da Mercedes, aparecem entre os 10
primeiros o holandês Max Verstappen (4º), da Red Bull, o monegasco Charles
Leclerc (7º) e o alemão Sebastian Vettel (10º), ambos da Ferrari. Seria correto
dizer que a categoria conheceu nos últimos anos a geração mais rápida de todos
os tempos?
“Não considero que
seja a mais rápida. Acho que é uma geração de pilotos muito boa, que emplacou,
em vários momentos, pilotos excepcionais, o que é difícil na Fórmula 1. Tivemos
épocas em que eram de pilotos na média, sem alguém extraordinário como o
Hamilton ou o Verstappen”, avalia Erika. “O Leclerc foi o único que me deixou
um pouco incomodada na lista, porque ele não fez muitas poles [sete na
carreira]. Mas, lembrando que o algoritmo compara o piloto com o companheiro de
equipe [Vettel]. Essa comparação, no momento [ruim] que o Vettel está vivendo,
pode ter influenciado”, completa.
A engenheira também
cita a evolução tecnológica da categoria, que é vivenciada pelos corredores
atuais. “É um período de carros muito rápidos. Tem uma equipe hegemônica, como
a Mercedes, uma muito forte, como a Red Bull. São equipes que precisam mais do
piloto com talento para guiar esse carro muito rápido, do que propriamente o
carro ‘ganhar’ a corrida. A gente vê a diferença do Hamilton para o [finlandês
Valtteri] Bottas, da mesma equipe. Faz sentido essa geração estar ali [entre os
mais velozes]”, conclui.
Por Fernanda Zandonadi – Site AQUInoticias.com