Domingo, 24 de novembro de 2019.
Equipe que encantou o
país nos anos 80 tinha craques em quase todas as posições; o diferencial do
time de Jorge Jesus é a tática e a velocidade.
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ZICO, protagonista no Supertime da década de 80. Divulgação / Flamengo. |
O que o Flamengo do início da
década de 80 tem de espetacular, o de 2019 tem de eficiente. A criatividade e a
vibração da equipe de Zico foi substituída quase 40 anos depois por obediência
tática e segurança raras no futebol brasileiro, como aconteceu ontem, sábado
dia (23/11), na conquista do
bicampeonato da Copa Libertadores, de virada, contra o River
Plate.
O Flamengo tricampeão
brasileiro em 80, 82 e 83 se destaca na lista dos times plásticos, artísticos e
vencedores. Estão lá também o Palmeiras de Djalminha, Rivaldo e Muller, de
1996, os menudos do São Paulo, do técnico Cilinho, e o Santos de Neymar e
Ganso.
O rubro-negro atual,
europeu na velocidade e na posse de bola, aparece no rol dos elencos
competitivos com alta qualidade técnica.
Mas uma
competitividade diferente da do São Paulo de Muricy Ramalho ou do Corinthians
de Tite. Esse Flamengo é de poucos um-a-zeros, tem futebol bonito e coloca os
adversários na roda com frequência.
Fator Zico
Além de mais
conquistas, a presença de um único jogador, Zico, serve como prova de que a
equipe de 80 é superior tecnicamente.
O time deste ano, até
por não ter alguém que se compare ao eterno camisa 10 da Gávea, sabe que não
pode delegar a ninguém a função de resolver tudo sozinho.
Se Zico elevou o nível
do grupo, também o transformou, como fazem os craques, em dependente de seu
talento. Não que Leandro, Júnior e Adílio não fossem brilhantes e decisivos,
mas eram sombras do ídolo rubro-negro. Acontecia o mesmo no Santos de Pelé, na
França de Zidane e acontece no Barcelona de Messi.
Mas não ocorre no
atual Flamengo. Até porque é difícil dizer quem é o melhor desse grupo, que não
tem protagonistas.
O meia Arrascaeta
seria o principal craque – mais habilidoso, caro e imprevisível em campo –,
porém, estava ausente em algumas vitórias importantes neste ano.
Ribeiro ou Gerson?
Bruno Henrique ou Gabigol? Em outras palavras, um elenco que não se apoia em
ninguém para continuar sobrando.
Antes, o nível dos
adversários era melhor
Os concorrentes eram
fortes e os campeonatos, mais disputados? Talvez, mas isso não ofusca o fato de
que, na régua atual, o Flamengo deste segundo semestre chegou na medida mais
alta possível, batendo recordes de pontuação e de invencibilidade.
Sim, é preciso dar
mais tempo a Jesus e cia. Mas essa afirmação vale tanto para dizer que podemos
superdimensionar seu valor ao avaliá-lo por seis meses perfeitos quanto para
menosprezar sua capacidade, afinal a "seleção" que ele ajudou a
montar, se não for destroçada nos próximos meses, sabe-se lá onde pode chegar.
Se o Flamengo de hoje
enfrenta times como Grêmio, Internacional, Fluminense e Vasco com uma
superioridade inédita, dando a entender que a vitória é inevitável, o de 80 e
poucos alternava bons e maus resultados diante de Corinthians, Santos, Grêmio e
Atlético-MG.
O Corinthians, aliás,
goleou o time carioca por 4 a 1 na terceira fase do Brasileirão de 1983, em 30
abril daquele ano. Treze dias antes, no entanto, havia levado 5 a 1 no mesmo
confronto.
Idolatrado, o
espetacular escrete da década de 80 apagou da lembrança de rubro-negros e
amantes de esporte derrotas como o 4 a 0 para o paranaense já extinto Colorado,
na segunda fase do Campeonato Brasileiro de 1981. Ou o 3 a 0, no mesmo torneio,
para o Paysandu.
Naquele ano, em 4 de
fevereiro, ocorreu também um 8 a 0 em cima do Fortaleza, com cinco gols do
atacante Nunes.
Nunes ou Gabigol? A
comparação jogador a jogador seria injusta com a equipe atual. Contra ídolos da
história do clube, praticamente todos os atletas de 2019 seriam derrotados.
Falta-lhes a sequência de conquistas daquele time e o lustre da nostalgia.
Inovações
Montado inicialmente
pelo técnico Cláudio Coutinho, que trouxe ao país táticas inovadoras e garimpou
talentos pelo Brasil, o Flamengo de 80 a 83 era uma máquina do goleiro ao ponta
esquerda e representava uma inovação na maneira rápida de atacar.
Fã do futebol
holandês, Coutinho fez do Flamengo vitrine de conceitos hoje manjados como
ocupar o espaço vazio, jogar sem a bola e polivalência dos atletas. Com
qualidade de sobra e um futebol moderno para a época, vieram títulos atrás de
títulos. O técnico morreu em novembro de 1981 e viu só o início da soberania
vermelha e preta.
O Flamengo atual é
mais rápido ainda, porque o futebol mudou muito nessas décadas, porque o atual
treinador, Jorge Jesus, cobra velocidade na marcação, nas tomadas de bola e nos
contra-ataques e porque o time tem jogadores inimagináveis nos anos 80, como
Gerson, que defende e ataca com qualidade semelhante.
Assim como Coutinho,
Jesus tirou o máximo de atletas já muito talentosos.
Em 80, com Leandro e
Júnior, a mais qualificada dupla de laterais da história de um clube
brasileiro. Hoje, a trinca de craques Gerson, Everton Ribeiro e Arrascaeta é
candidata a melhor meio de campo da história do Flamengo.
Números
Se na genialidade e na
quantidade de títulos, o Fla de 80 não tem concorrência, os números são
favoráveis ao mais recente rubro-negro. Em 34 rodadas do campeonato nacional, o
time tem 79,4% de aproveitamento.
Se considerarmos só a
campanha de Jesus, com 25 jogos, o índice é de 85%, com excepcionais 20
vitórias, 4 empates e uma única derrota.
Para usar a mesma base
de comparação dos anos 80, quando a vitória valia dois, e não três pontos, como
agora, o percentual do Flamengo de 2019 iria a 82% e o de Jesus, a 88%.
Nos Flamengos de 80,
82 e 83, o aproveitamento foi 77%, 78% e 70%, respectivamente.
O ano de 1981,
relembrado pela conquista da Taça Libertadores, foi um ano em que o clube
conquistou apenas 65% do pontos possíveis do Brasileiro (ou 59%, na contagem
atual). No torneio continental, o percentual foi de 75% (ou, hoje, 69%), com 8
vitórias, 5 empates e 1 derrota.
É justo dizer que é
cedo para entronar Jorge Jesus e seus atletas, mas também é injusto achar que
esse time de agora, por ser recente, não revela indícios e mostra potencial
para se tornar o maior Flamengo de todos os tempos.
Por FUTEBOL - Marcos Rogério Lopes, do R7