Quinta feira, 30 de janeiro de 2020.
Julia Rosado, a Juju
Gol, foi a primeira federada com autorização para disputar competições de
futsal no Rio: 'O número 24 foi o que restou para mim'.
Dias atrás, Juju e eu
passamos horas relembrando momentos dessa precoce trajetória dela no futebol.
Sempre fazemos isso.
Julia Rosado, a Juju Gol, joga contra garotos das base dos grandes times
do Rio
Divulgação
Entre as lembranças,
apareceram as fotos de um torneio de futebol de campo em 2017, quando ela
jogava pelo Grau 10, um tradicional clube formador de atletas do Rio de
Janeiro.
De cara, algo chamou a
minha atenção. Juju usava um uniforme que tinha o número 24.
— Por que o 24, Juju?
— perguntei.
— Porque foi o que
restou pra mim, tio.
Lembrei na hora da
minha adolescência, quando sonhava me tornar jogador profissional, assim como a
Juju.
O 24, pro homem
brasileiro, é sinônimo de rejeição, chacota, gozação... É quase uma aberração.
Eu já joguei num time
de várzea que não confeccionava a camisa com o número 24. E somente o 24!
Na escola, coitado do
menino contemplado com a vigésima quarta posição da lista de chamada!
Pra quem não sabe,
esta onda existe no nosso país há, mais ou menos, um século. Ela se proliferou
após o nascimento do ilegal ''jogo do bicho" no Rio de Janeiro,
tradicional banco de apostas associado aos animais.
A jogatina envolve 25
grupos representados pela imagem de um animal. Dentro do 24, há um mamífero, o
veado. Entendeu, né? Homem, veado... Veado, homem... É a munição do
preconceituoso que pratica a homofobia, atitude criminosa segundo a Lei de
Racismo (7716/89).
Esta semana, o esporte mundial ficou sem um gigante que usava a 24.
Casado, pai de família, ídolo, Kobe Bryant fez história no Los Angeles Lakers.
Cinco vezes campeão da NBA, em duas destas conquistas, ele estava com a camisa
24. Aliás, de 2006 a 2016, metade da carreira, Kobe vestiu a 24.
Para os fãs do Lakers,
o 24 se tornou simbólico. Mereceu a aposentadoria no ''hall da fama'' do clube.
Juju usou a camisa 24
somente uma vez. Foi o suficiente para marcar a vida da jovem atleta.
Assim que ela
se tornou a primeira menina federada com autorização para disputar competições
de futsal no Rio de Janeiro, entre os meninos, conquista obtida pela
Federação de Futsal do Rio, com aval da Fifa, pintou a chance de ela também
jogar campeonatos no campo.
O professor Carlinhos,
responsável pela base do Grau 10, conseguiu inscrevê-la como a única menina
neste torneio masculino. Então, aos 7 anos de idade, lá foi ela jogar contra
garotos da base de Vasco, Flamengo, Fluminense, Botafogo, entre outros.
Momentos antes de
entrar em campo, rolou a distribuição dos uniformes. Como os meninos podiam
escolher o número que queriam usar na camisa, os pais se meteram no assunto.
— Meu filho não vai
usar a 24, não! — muitos falaram.
E, aí, a 24 foi pra
quem? Pra Juju. Afinal, ela era a única menina do time.
— Tio Mauro, pra mim,
era um número como tantos outros. Não tinha noção ainda do preconceito que
existia. Só fui entender depois que o meu pai explicou.
Juju jogou. Mas o
desempenho dela em campo é o que menos importa nesta lembrança.
— Tio Mauro, o número
24 passou a ter um grande significado pra mim, porque eu sei o quanto é
importante e maravilhoso ter o meu pai me motivando e incentivando no futebol,
assim como fazia o Kobe Bryant com a filha Gianna no basquete, que morreu com
ele no acidente de helicóptero.
Kobe Bryant disse uma
vez que sonhava ter um filho para seguir os passos dele no basquete. Mas nunca
se sentiu obrigado a ter um menino. Se tivesse, com certeza, daria a 24 pra
ele. Gianna era a menina que poderia ter se tornado ídolo como o pai.
Wellington, pai da
Juju, se emociona ao relembrar desta história:
— Eu sempre desejei
ter uma filha. É a minha maior alegria. Kobe Bryant tinha quatro meninas!
Imagina a felicidade dele quando via a Gianna em quadra jogando basquete. É a
mesma felicidade que sinto ao ver a Juju com uma bola nos pés.
Aqui no Brasil, se
precisar, Juju também joga com a 24.
FORA DE JOGO -Mauro Junior, Record TV