terça-feira, 15 de junho de 2021

Banco analisa situação de clubes do Brasil: ‘Botafogo ainda tem coelhos para tirar da cartola?’

Terça feira, 15 de junho de 2021.

Por fogaonet.com

Flamengo e Palmeiras tiveram em 2020 desempenhos esportivos de causar inveja para os rivais. Resultados que não justificam-se apenas ao desempenho em campo, mas sim ao que vem ocorrendo (há alguns anos) fora dele.

O relatório de Análise Econômico-Financeira dos Clubes de Futebol, do Itaú BBA, apresentado pelo economista César Grafietti nesta terça-feira (15), revela que a dupla manteve uma linha saudável de gestão e conseguiu lidar muito bem com o impacto da pandemia do novo coronavírus, evitando uma queda acentuada das receitas, equilibrando custos e dívidas, além de manter investimentos.

Os dois foram os únicos entre os 12 grandes clubes do Brasil a receber mais elogios do que ressalvas pelo que estão fazendo suas diretorias no aspecto financeiro. Além de terem a avaliação de 2021 próspero. A outra exceção foi o Grêmio, com resultados esportivos modestos.

Já a maioria das equipes está em fase de atenção, em caminhos não exatamente saudáveis economicamente, mas que podem ser contornados se a rota for alterada. Casos de Atlético-MG, Corinthians, Cruzeiro, Fluminense, Internacional e São Paulo.

Já Botafogo, Santos e Vasco estão na linha vermelha, com situação financeira/modelo de gestão necessitando de vários ajustes.

Veja abaixo um resumo do que apontou o relatório financeiro para os 12 grandes do Brasil.

 

Atlético-MG: Entre a teoria e a prática

Foi uma das equipes que mais investiu na temporada passada, mas a que menos teve resultados satisfatórios. Tirando o título estadual, fracassou no Brasileiro (terceiro colocado), na Copa do Brasil (caiu na segunda fase) e Copa Sul-Americana (caiu na primeira fase).

Para piorar, as receitas caíram 48% em relação a 2019, os custos cresceram (aumento de 11%), as dívidas a longo prazo aumentaram (R$ 1,2 milhão) e o investimento (ainda que feitos com apoio de associados) foram acima do que as receitas permitem.

“O problema é a construção da tese de startup, onde se gasta na frente para desenvolver o negócio, e a colheita de resultados virá no futuro. O futebol não é uma startup. As receitas básicas são conhecidas e de crescimento geralmente moderado. […] O investimento no estádio tem riscos, e a construção de um elenco caro não garante valor de revenda. […] Mas o clube tem dois suportes: a participação num shopping e o apoio dos associados que financiaram o projeto”, aponta a análise.

 Botafogo: Será que ainda há coelhos?

O clube foi rebaixado na última temporada em meio ao debate interno de transformar a agremiação em empresa. O relatório mostra que o presente e o futuro para o Botafogo são muito mais preocupantes do que simples decisão de mudar ou não.

“Olhando o cenário de 2020 fica a dúvida se o Botafogo tem coelhos para tirar da cartola a partir de 2021. Alguns falarão da transformação em empresa, outros lembrarão dos sócios e torcedores milionários, e há quem espera algumas vendas relevantes de atletas. Mas tudo isso talvez fosse suficiente para movimentar a cartola, puxar uma orelha, mas o coelho mesmo não sairia. Talvez um camundongo. O crescimento das receitas é lento, e elas são cada vez menores. Com isso fica difícil montar equipes competitivas. E mesmo que ocorra, ainda tem uma enorme pressão do vencimento das dívidas poucos ativos para serem negociados e reduzir a pressão”. 

Corinthians: Game Over

O clube teve apenas dois pontos exaltados: o alongamento de pagamentos e a receita com a venda de atletas (8% a mais que 2019, com destaque para os R$ 93 milhões pagos pelo Benfica por Pedrinho e os R$ 11 milhões do Daejeon Hana Citizen por André Luiz).

Mas a equipe do Parque São Jorge teve, além do péssimo desempenho esportivo (somente vice do Paulistão), problemas com fluxo de caixa, aumento de dívidas de todos os tipos e investimentos acima das receitas.

A conclusão é que não dá para o Corinthians responsabilizar apenas a pandemia por 2020. Gastos e investimentos elevados há alguns anos resultaram em um crescimento assustador das dívidas, enquanto as receitas não cresceram na mesma proporção.

“A situação do Corinthians é bastante difícil, mas não é insolúvel. O Corinthians tem um nível de receitas que, com algum ajustes, é capaz de organizar a dívida que equivale duas vezes mais o que ele tem de receita. É um trabalho que requer paciência e firmeza”, disse Grafietti. 

Cruzeiro: O caminho é muito longo

Em um ano que o principal projeto esportivo fracassou, ou seja, o clube não conseguiu subir para a primeira divisão, é difícil apontar pontos positivos. Mas o relatório aponta alguns, como a reestruturação e o alongamento das dívidas e um expressivo corte de custos.

Como o buraco é bem fundo, a temporada na Série B mais a crise causada pela pandemia do novo coronavírus fez o Cruzeiro ter uma queda de 60% nas receitas em relação a 2019. É o que emperra a retomada da equipe.

A diretoria até vem fazendo um trabalho de destaque, mas é difícil. Conseguiu reduzir os custos em 44% e, ainda que tenha “atacado” a dívida, o clube celeste tem um passivo bem alto para um clube em reestruturação: R$ 663,3 milhões. 

Flamengo: Testado e aprovado

Campeão brasileiro e estadual, talvez os torcedores entendam que o Flamengo podia mais em 2020, mas a boa notícia para eles é que o clube conseguiu unir o desempenho esportivo com boas decisões de gestão.

Os pontos positivos apontados pela analisa foram o controle de custos, a busca por receitas alternativas e resultados em campo. O resultado aponta que não só o clube concluiu bem 2020 como também há boas perspectivas de crescimento para este ano –apesar de uma necessidade de vender jogadores para diminuir o impacto da pandemia do novo coronavírus nas receitas.

A redução de receitas 2019 para 2020 representou 32%, mas a análise pondera que há dois anos os cofres do clube foram impactados positivamente pelas receitas da Libertadores e do Mundial de Clubes. A diretoria conseguiu, em um ano difícil, reduzir em 25% os custos e aumentar 10% a receita com publicidade. O maior impacto então ficou pela queda drástica em bilheteria/sócio torcedor.

“Não foi fácil e não será em 2021, ainda que haja menos pressão de caixa a partir da elevada possibilidade da temporada ser encerrada dentro do ano. A verdade é que o clube passou no teste de resistência a crises. Méritos de quem tem a casa em ordem.” 

Fluminense: O acaso protegeu

“Se por um lado a situação de fluxo de caixa foi bastante dura, com a necessidade de ter que prorrogar volumes relevantes de salários para 2021, por outro é inegável que conseguiu. Se fez contratações acima do que a realidade permite, por outro lado conseguiu financiá-las. Se final os adiantamentos e as dívidas com impostos consumiram caixa, veio a rescisão do contrato do Campeonato Carioca e injetou recursos para ajudar a fechar as contas.

Para terminar, o clube ainda conseguiu uma posição no Campeonato Brasileiro acima das possibilidades, quando comparamos a clubes com maior poder financeiro. O que torna o início de 2021 menos tenso.

Mas claro que não foi apenas acaso. Tem o esforço em transformar as oportunidades em realidades, e nisso o Fluminense teve sucesso. Considerando o ano, o saldo final foi positivo.” 

Grêmio: Quando a gestão faz a diferença

O Grêmio também foi alvo de elogios, apesar de esportivamente ficar devendo. O clube não conseguiu chegar a semifinal da Conmebol Libertadores, não brigou no topo pelo título do Brasileiro e foi vice da Copa do Brasil sem jogar bem.

Mas novamente o clube soube unir um cenário de poucas receitas com competitividade.

“O Grêmio foi um dos clubes que melhor soube lidar com os desafios da pandemia. Fruto de uma gestão que busca o equilíbrio como referência. O fato de ter receitas recorrentes em dólar da Libertadores ajudou nesse momento de câmbio mais alto. Além disso a chegada à final da Copa do Brasil contribuiu para o aumento das receitas com TV. As quedas em Bilheteria e Patrocínio foram compensadas com venda de atletas, cujos valores de vendas passadas ajudaram a adicionar caixa à operação em 2020.

Some a isto a capacidade de postergar pagamento de salários e endividamento que não pressiona o clube. Dessa forma foi possível até seguir investindo sem desestruturar a posição financeira.

Exemplo de que o valor da boa gestão se vê nos bons momentos, mas especialmente nos momentos de crise. Agora é seguir a estratégia, e controlando a ansiedade de gastar além da conta, que é um dos erros mais comuns no futebol. Quando tudo parece funcionar vem o desejo da consagração, que normalmente se reflete em aumento de gastos e acaba em descontrole.” 

Internacional: Sinal de alerta

“O Internacional segue o perigoso caminho do desequilíbrio. Naturalmente que a pandemia ajudou a deteriorar a situação, mas enfrentá-la a partir de uma condição debilitada piorou a situação. O aumento de dívidas, a geração de caixa negativa, queima de reservas de caixa para rodar a operação, tudo isso foi visto em 2020.

O clube precisa partir para um processo profundo de reestruturação, com corte de custos e investimentos e adequação da estrutura operacional às reais capacidades de geração de receita. O clube pode buscar novas receitas, incrementar as existentes, mas há um limite para isso, que normalmente é coberto com negociação de atletas. Portanto, é fundamental repensar o modelo de negócios, reduzindo contratações e focando numa das práticas que o Inter tem maior qualidade que é a formação de atletas.”

Palmeiras: Alviverde imponente

Teve o melhor desempenho esportivo em 2020 entre os clubes brasileiros, com três títulos (Paulista, Copa do Brasil e Conmebol Libertadores) e um vice (Mundial de Clubes). Foi elogiado também pela gestão de custos e despesas e pela gestão de fluxo de caixa.

Segundo o relatório, o que não foi tão bem foi o aumento na dívida (agora de R$ 642 milhões, com crescimento especialmente em dívidas bancárias) e investimentos elevados para as receitas da equipe (equivalente a R$ 153 milhões).

A avaliação geral é que o impacto da pandemia fez o Palmeiras perdeu a folga financeira adquirida nas últimas temporadas, mas ainda assim manteve-se em equilíbrio. As perspectivas para 2021 são bem positivas, com o clube tendo tudo para ver o reflexo dentro de campo.

“O clube continua vendendo bem seus atletas, continua investindo, está pagando a dívida com o patrocinador, se financiou com outras instituições financeiras em 2020. Mas, obviamente, há limites. O clube precisa seguir a trajetória de maior controle de gastos, reduzir investimentos a níveis mais condizentes com o momento, reduzindo suas dívidas perante outros clubes. Afinal, vender atleta e conquistar da forma como fez em 2020 é ótimo, mas nunca é uma certeza”. 

São Paulo: A história sem fim

O último ano da gestão de Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, trouxe o São Paulo para uma realidade mais “pés no chão”. O clube já havia investido fortemente em jogadores nos dois anos anteriores, de forma que pôde reduzir essa despesa em 2020.

Também foi hábil em reduzir investimentos e custos, mas acabou pagando pelo caminho que adotou nos últimos anos. Ou seja, ainda tem uma dívida alta e novamente se viu refém da necessidade de vender jogadores, tendo perdido o jovem Antony para o Ajax (R$ 93,5 milhões), além de ter amargado mais um ano sem nenhum título (saiu da fila nesta temporada de 2021 apenas).

“A gestão fez o que deveria ter feito nos outros anos. O clube teve boas receitas pela participação no Brasileiro e na Copa do Brasil, mas ainda depende da venda de jogadores para ter um equilíbrio. O São Paulo é um clube que temos de analisar ano a ano e passo a passo pelas mudanças na condução financeira. Por exemplo, ao trocar a gestão neste ano, voltou a fazer uma série de contratações, investimentos. Não acredito que o reequilíbrio financeiro será alcançado neste 2021”, disse Grafietti. 

Santos: Na corda bamba

“O Santos sofreu em 2020 dois efeitos conjuntos: a pandemia, que atingiu a todos, mas também o resultado da política de depender da venda de atletas para fechar suas contas. O resultado foi um clube em situação delicada, a despeito do sucesso esportivo na Copa Libertadores [vice].

Com relação aos efeitos da pandemia, o clube fez o que pode e podemos dizer que se saiu bem considerando aumento de receitas com publicidade e sócios. Não é pouca coisa. Além disso, o impacto financeiro da chegada à final da Libertadores não foi observado em 2020 mas chegou no início de 2021. O problema foi enfrentar a pandemia a partir de uma estrutura que vem se sustentando há anos à base da negociação de atletas.

Quando as negociações de atletas geraram crescimento de receitas, como em 2016, 2017 e 2019, o clube não fez o dever de casa, que era reduzir dívidas e focar nos investimentos em estrutura. Ao contrário, manteve dívidas elevadas, pouco aplicou recursos em estrutura e ainda gastou mais de R$ 200 milhões em contratações. 

Vasco: Uma estrada longa e sinuosa

“Ao Vasco cabe buscar uma solução, que está longe de fácil, óbvia e rápida. E não há plano mágico nem solução tirada da cartola.

O ano de pandemia foi só uma gota d’água no mar de dificuldades que é o Vasco da Gama. Por mais que os esforços juntos aos torcedores tenham ajudado na construção do CT e no incrível projeto de sócio torcedor, é tudo como enxugar gelo, pois as dívidas são tão grandes, e ocupam tanto das receitas, que a realidade é pior do que mostram os números.

O risco que o clube corre é cansar o torcedor, que perde forças no apoio. Jogar novamente a Série B, com pouca força financeira, menos dinheiro de TV, e ainda tendo que arcar com problemas de anos. Problemas que afetaram diretamente o desempenho de 2020, pois as receitas acabam sendo consumidas pelos adiantamentos e dívidas cujo dinheiro é carimbado para pagamento, sobrando pouco para custear a atividade. No final, vira atraso, novas dívidas, pedido de ajuda a torcedores.

A dificuldade em solucionar o problema passa pelo fato de que as receitas não crescerão do dia para a noite, e a decisão por cortar custos e renegociar dívidas é dolorida, e tira competitividade. A questão que fica é que a ginástica feita para “fechar” as contas de 2020, que deixou rastros de problemas para o futuro próximo, fica cada vez mais difícil de ser repetida. E ainda que conseguisse, não significa solução, mas apenas um paliativo.” 

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