Terça feira, 24 de janeiro de 2017.
O futebol é um esporte
no qual a lei, em alguns contextos, fica à margem. A violência em campo, quando
usada para "impor respeito" sobre o adversário, é muitas vezes
estimulada por treinadores. Xingamentos que em qualquer situação cotidiana
levariam ao xilindró o autor são gritados com orgulho por torcidas nas
arquibancadas. Mas nenhum absolutamente nenhum crime compensa mais do que o
"gato", ou a adulteração da idade para buscar mais oportunidades na
base.
O caso mais recente explodiu neste domingo e tirou o Paulista da final da Copa São Paulo nesta segunda-feira. Brendon, ou Heltton (ainda não há a confirmação), não foi o
primeiro. Certamente não será o último. A lista é longa e conta com nomes que
passaram por seleções de base como Sandro
Hiroshi, Anaílson, Leandro Lima, Carlos Alberto (ex-Figueirense), Cláudio (ex-Palmeiras), Michel Schmöller, Emerson Sheik e
muitos outros. E olha só, vejam vocês, sabem quantos desses jogadores ou
pessoas que fizeram o "gato" deles foram presos ou foram suspensos
por um bom tempo?
Brendon, ou Heltton (ainda não há a confirmação), do Paulista.
Se você pensou em zero
para a resposta, acertou. Todos eles seguiram suas carreiras como se quase nada
tivesse acontecido. Ajustaram a identidade futebolística ao seu nome (ou nem
isso em alguns casos, Emerson Sheik se chama Márcio, mas ninguém o chama assim
no mundo do futebol), e vida que segue.
O crime de
falsificação ideológica, enquadrado no artigo 299 do Código Penal Brasileiro,
prevê reclusão de um a cinco anos ou multa. Emerson Sheik chegou a ser
condenado a três anos e nove meses de prisão, mas teve a pena revertida em
multa e serviços comunitários. Outros cumpriram três, no máximo seis meses de
suspensão e seguem jogando numa boa.
A prisão, para o
jogador, talvez seja realmente injusta. Um moleque de 14 anos que sonha ser
jogador de futebol é capaz de tudo para chegar a esse sonho e sair da pobreza.
Se alguém da confiança dele disser para ele que bater com a cabeça na parede ou
rasgar dinheiro é o caminho, ele seguirá o conselho. Além disso, alguém que
falsifica a identidade para jogar futebol não representa, normalmente, perigo
real para a sociedade, embora deva pagar pelo crime que cometeu.
Uma suspensão
esportiva de um ou dois anos, no entanto, se faz necessária, e o motivo é
simples: o "gato" toma o lugar de alguém com a idade certa e
desenvolvimento mais tardio. Na maioria das vezes, porém, tudo acaba em pizza.
Uma das coisas mais
preocupantes desse cenário é que, em alguns casos, quem procura e faz o gato é
o próprio pai do garoto. E a certeza da impunidade acaba com qualquer chance de
arrependimento. Um exemplo ilustrativo: um dos pais que fez o "gato"
no próprio filho e foi descoberto falou, na cara do dirigente que descobriu.
- Olha, eu fui pêgo,
mas não me arrependo. Esses anos com meu filho aqui foram os melhores da minha
vida.
Há relatos de
jogadores que pegam a identidade do irmão mais novo, ou de um primo mais novo.
E de pais que registram o filho dois, três anos depois de nascido, já pensando
em uma carreira para ele no futebol. É o famoso "gato legalizado",
quase impossível de pegar.
Os clubes, em muitos
casos, são vítimas, como é provável que o Paulista seja, e acabam como
principais punidos nas situações. Os grandes chegam a fuçar os cartórios das
cidades de seus jogadores, buscando irregularidades. Muitas vezes encontram
casos na própria base e dispensam o jogador sem fazer barulho. No caso de um
clube endividado como o de Jundiaí, imagina-se que a condição de correr atrás
dessa documentação é menor.
Apesar de serem
vítimas no processo, os clubes também contribuem para ele, na medida em que
privilegiam a força física como critério de seleção dos atletas em detrimento
da qualidade técnica. Muitos treinadores fazem vista grossa para jogadores
suspeitos, pois sabem que a imposição física deles pode ajudar a ganhar jogos
e, consequentemente, ajudá-los a subir na carreira.
O momento-chave é a
transição para o profissional. Se o jogador consegue subir e jogar no time de
cima por um, dois anos, o gato descoberto pode desvalorizá-lo, mas não a ponto
de fazer com que ele suma do mercado. O atleta normalmente é julgado pelo que
produz dentro das quatro linhas, e não pela conduta ética fora de campo.
Dentro dessa
conjuntura, é possível supor, sem afirmar ou colocar suspeitas em ninguém (não
há provas), que há, sim, muitos "gatos" que conseguem realizar o
sonho de se tornar jogadores importantes do futebol brasileiro e jamais são
descobertos. E mesmo se fossem hoje, já estariam afirmados e com uma carreira
consolidada. Seriam pouco afetados pelo crime que cometeram, e que os ajudou na
hora de sair da pindaíba. E seriam apenas mais um capítulo de uma história que
não se encerrará com o caso Brendon.
Por Pedro Venancio: G1
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